O procurador do trabalho diz que efetivar 200 mil novos funcionários públicos será uma anistia ilegal
Fonte: Revista Época
Há duas semanas, o procurador do trabalho Fábio Leal está irrequieto. O motivo é a entrada na pauta da Câmara dos Deputados de uma proposta de emenda constitucional que efetiva mais de 200 mil funcionários temporários no serviço público. Coordenador do combate a irregularidades trabalhistas na administração, Leal é um defensor obstinado dos concursos – segundo ele, o mais democrático e legítimo modo de ingresso no serviço público. Leal enfrenta brigas freqüentes com órgãos e empresas estatais que aparelham suas estruturas, o que, afirma, custa caro para a população.
ÉPOCA – O que significa a possibilidade de contratação definitiva pelo governo de mais de 200 mil funcionários temporários que não prestaram concurso público?
Fábio Leal – É uma tentativa de regularizar uma situação ilegal. Estão tentando criar uma anistia para essas pessoas. As demandas do Estado cresceram nos últimos dez anos. Há necessidade de mais pessoal. Como a política não era de expansão do quadro, foram requisitadas pessoas de fora, com cargos temporários. Nessa onda, cresceram também as terceirizações e os cargos comissionados (cargos de confiança na máquina pública, normalmente de indicação política). O que alguns querem agora é arrumar um jeitinho para que essa situação fique em uma aparente legalidade.
ÉPOCA – O que o Ministério Público do Trabalho vai fazer se a emenda que prevê a contratação desses funcionários for aprovada pelo Congresso?
Leal – Em primeiro lugar, vamos fazer uma representação ao procurador-geral da República para que ele entre com uma ação de inconstitucionalidade contra essa proposta. Vamos também propor ações para impedir a efetivação dessas pessoas nos órgãos que vierem a tomar essa medida.
ÉPOCA – Por que proposições aparentemente esdrúxulas, como essa, prosperam no Brasil?
Leal – É uma forma antiga de fazer política, na qual se dá um emprego público para uma pessoa, esperando que ela e sua família virem correligionários. Cerca de 200 mil pessoas são beneficiadas, em detrimento de outras 5 milhões que estão participando de concursos públicos. Essas vagas vão ser sonegadas. É um tiro na instituição do concurso público.
ÉPOCA – Qual é o custo desse "tiro" para o país?
Leal – Além de democrático, o concurso serve para selecionar os melhores profissionais. A não-observância do concurso significa serviço público ineficiente em hospitais e escolas, seja onde for. Sem concurso, o governo também abre mão de contar com as pessoas mais capazes. Não tenho dúvida de que as pessoas com vínculo precário são menos produtivas. A permanência desse funcionário vai depender de algum político que o colocou lá. O problema com os funcionários terceirizados, cedidos ou comissionados é que eles não têm compromisso com os ideais do serviço público.
ÉPOCA – Por que é tão difícil combater as irregularidades nas contratações no serviço público?
Leal – Os administradores públicos sempre procuram uma forma de burlar o concurso público. Querem assim contar com pessoas de fora para ocupar cargos de chefia e imprimir suas políticas. Mas há um desvio nessa possibilidade de arregimentar pessoas de fora, e o resultado é a explosão do número de cargos públicos.
ÉPOCA – Qual é a situação de Estados e municípios no que diz respeito a irregularidades na contratação de funcionários?
Leal – A situação é muito pior que no governo federal. O quadro de funcionários é reduzido. Por isso, as terceirizações e a efetivação de funcionários comissionados são gigantes. Há milhares de cabos eleitorais em cargos públicos. O Estado do Amazonas é um exemplo. Lá, existem 7 mil pessoas com vínculo temporário na Secretaria de Saúde. O administrador público geralmente quer resolver o problema dele naqueles quatro anos. Não há boa vontade de resolver o problema em definitivo. A má situação fiscal dos Estados também atrapalha. Como têm de obedecer a um teto nos gastos com o funcionalismo, acabam contratando funcionários na rubrica de despesas gerais, e não na de pessoal.
ÉPOCA – Há no governo federal mais de 20 mil cargos comissionados, número quatro vezes maior que o dos Estados Unidos. Por que isso acontece?
Leal – Esses cargos não são feitos para atender ao interesse público. Mas sim aos interesses políticos e privados de certos administradores. Esse número não se justifica sob o ponto de vista técnico.
ÉPOCA – Esse número não pára de crescer. Novos órgãos públicos, como a Secretaria dos Portos e a de Assuntos de Longo Prazo, estão sendo criados e preenchidos com funcionários comissionados e terceirizados.
Leal – Muitos desses ministérios são novos, sem quadro de pessoal. Não criaram regras de contratação de funcionários. Os salários pagos no serviço público, em geral, são ruins. Aí você contrata um terceirizado que custa muito mais caro que um funcionário dito normal. Muitas empresas que oferecem os terceirizados são de fachada e ganham rios de dinheiro nessas operações. Pior: a dívida trabalhista dessas empresas com os funcionários terceirizados, por regra, acaba sendo transmitida para o governo. São bombas perenes que explodem nos cofres públicos. E vão continuar explodindo daqui a dez anos. Está claro que falta planejamento do governo. Tem de haver gerenciamento e organização. Primeiro, você precisa de um quadro de pessoal. Estão colocando a carroça na frente dos burros.
ÉPOCA – Qual é o número de terceirizados na administração pública?
Leal – É difícil saber, porque os contratos não são feitos por posto de trabalho, e sim por serviços ou unidade de tempo. Até a fiscalização é difícil de ser feita. Mas em setembro deveremos firmar um acordo amplo com o governo para a substituição de terceirizados. Não naquelas áreas em que os serviços terceirizados são permitidos, como a conservação predial e a segurança. O foco de nossa proposta será nas áreas em que não pode haver terceirização. Segundo o Ministério do Planejamento, são cerca de 33 mil pessoas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário